quarta-feira, 27 de agosto de 2008

DEUS NEGRO

Eu, detestando pretos!
Eu, sem coração!
Gritando... Separação!
Eu, você, nós... Nós todos, cheios de preconceitos, fugindo como se eles carregassem o lodo, lodo na cor...
E, com petulância, arrogância, afastando a pele irmã. Mas, estou pensando agora... E quando chegar minha hora?
Meu Deus, se eu morresse amanhã de manhã?
Numa viagem esquisita, entre nuvens feias e bonitas, se eu chegasse lá e um porteiro manco, como os aleijados que eu gozei, viesse abrir a porta, e eu reparasse em sua vista torta, igual aquela que eu critiquei?
Se a sua mão tateasse pelo trinco como as mãos do cego que não ajudei?
Se a porta rangesse, chorando os choros que provoquei?
Se uma criança me tomasse pela mão, criança como aquela que não embalei, e me levasse por um corredor florido, colorido como as flores que eu jamais dei?
Se eu sentisse o chão frio, como o dos presídios que não visitei?
Se eu visse as paredes caindo, como as das creches e asilos que não ajudei?
E se a criança tirasse corpos no caminho, corpos que eu não levantei dando desculpas de que eram bêbados, mais eram epiléticos, que era vagabundagem, mais era fome? Meu Deus!
Agora me assusta pronunciar seu nome.
E se mais para frente à criança cobrisse o corpo nu, da prostituta que eu usei, ou do moribundo que não olhei, ou da velha que não respeitei, ou da mãe que não amei?
Corpo de alguém exposto, jogado por minha causa, porque não estendi a mão, porque no amor fiz pausa e dei... Sei lá... Só dei desgosto? E, no fim do corredor, no início da decepção, que raiva, que desespero, se visse o mecânico, o operário, aquele vizinho, o maldito funcionário, e até... Até o padeiro... Todos sorrindo não sei de que?
Ah! Sei sim, riem da minha decepção.
Deus está vestido de ouro. Mas como?
Esta num simples trono.
Simples como não fui, humilde como não sou.
Deus decepção.
Deus na cor que eu não queria.
Deus cara a cara, face a face, sem aquela imponente classe.
Deus simples! Deus negro!
Deus negro?
E Eu... Racista, egoísta. E agora?
Na terra só persegui os pretos, não aluguei casa não apertei a mão.
Meu Deus você é negro, que desilusão.
Será que vai me dar uma morada?
Será que vai apertar minha mão? Que nada.
Meu Deus você é negro, que decepção. Não dei emprego, virei o rosto. E agora?
Será que vai me dar um canto, vai me cobrir com seu manto?
Ou vai me virar o rosto no embalo da bofetada que dei?
Deus, eu não podia adivinhar.
Por que você se fez assim?
Por que se fez preto, preto como o engraxate, aquele que expulsei da frente de casa.
Deus, pregaram você na cruz e você me pregou uma peça.
Eu me esforcei à beça em tantas coisas, e cheguei até a pensar em amor.
Mais nunca... Nunca pensei em adivinhar sua cor.